O PENSAMENTO :
A GNOSIOLOGIA
1.
Segundo Aristóteles, a filosofia é essencialmente teorética: deve
decifrar o enigma do universo, em face do qual a atitude inicial do espírito é
o assombro do mistério. O seu problema fundamental é o problema do ser, não o
problema da vida. O objeto próprio da filosofia, em que está a solução do seu
problema, são as essências imutáveis e a razão última das coisas, isto é, o
universal e o necessário, as formas e suas relações. Entretanto, as formas são
imanentes na experiência, nos indivíduos, de que constituem a essência. A
filosofia aristotélica é, portanto, conceptual como a de Platão mas parte da
experiência; é dedutiva, mas o ponto de partida da dedução é tirado - mediante
o intelecto da experiência.
2.
A filosofia, pois, segundo Aristóteles, dividir-se-ia em teorética,
prática e poética, abrangendo, destarte, todo o saber humano, racional. A teorética, por sua vez, divide-se em física, matemática e filosofia
primeira (metafísica e teologia); a filosofia
prática [A1] divide-se em ética e política; a poética[A2] em estética[A3] e técnica[A4] . Aristóteles é o criador da lógica, como ciência especial, sobre a
base socrático-platônica; é denominada por ele analítica e representa a metodologia
científica. Trata Aristóteles os problemas lógicos e gnosiológicos no conjunto
daqueles escritos que tomaram mais tarde o nome de Órganon. Limitar-nos-emos
mais especialmente aos problemas gerais da lógica de Aristóteles, porque aí
está a sua gnosiologia. Foi dito que, em geral, a ciência, a filosofia -
conforme Aristóteles, bem como segundo Platão - tem como objeto o universal e o
necessário; pois não pode haver ciência em torno do individual e do
contingente, conhecidos sensivelmente. Sob o ponto de vista metafísico, o
objeto da ciência aristotélica é a forma, como ideia era o objeto da ciência
platônica.
3.
A ciência platônica e aristotélica são, portanto, ambas objetivas,
realistas: tudo que se pode aprender precede a sensação e é independente dela.
No sentido estrito, a filosofia aristotélica é dedução do particular pelo
universal, explicação do condicionado mediante a condição, porquanto o primeiro
elemento depende do segundo. Também aqui se segue a ordem da realidade, onde o
fenômeno particular depende da lei universal e o efeito da causa. Objeto
essencial da lógica aristotélica é precisamente este processo de derivação
ideal, que corresponde a uma derivação real. A lógica aristotélica, portanto,
bem como a platônica, é essencialmente dedutiva, demonstrativa, apodítica. O
seu processo característico, clássico, é o silogismo. Os elementos primeiros,
os princípios supremos, as verdades evidentes, consoante Platão, são fruto de
uma visão imediata, intuição intelectual, em relação com a sua doutrina do
contato imediato da alma com as ideias - reminiscência.
4.
Segundo Aristóteles, entretanto, de cujo sistema é banida toda forma de
inatismo, também os elementos primeiros do conhecimento - conceito e juízos -
devem ser, de um modo e de outro, tirados da experiência, da representação
sensível, cuja verdade imediata ele defende, porquanto os sentidos por si nunca
nos enganam. O erro começa de uma falsa elaboração dos dados dos sentidos: a
sensação, como o conceito, é sempre verdadeira. Por certo, metafisicamente,
ontologicamente, o universal, o necessário, o inteligível, é anterior ao
particular, ao contingente, ao sensível: mas, gnosiologicamente,
psicologicamente existe primeiro o particular, o contingente, o sensível, que
constituem precisamente o objeto próprio do nosso conhecimento sensível, que é
o nosso primeiro conhecimento. Assim sendo, compreende-se que Aristóteles, ao
lado e em consequência da doutrina de dedução, seja constrangido a elaborar, na
lógica, uma doutrina da indução. Por certo, ela não está efetivamente acabada,
mas pode-se integrar logicamente segundo o espírito profundo da sua filosofia.
Quanto aos elementos primeiros do conhecimento racional, a saber, os conceitos,
a coisa parece simples: a indução nada mais é que a abstração do conceito, do
inteligível, da representação sensível, isto é, a
"desindividualização" do universal do particular, em que o universal
é imanente. A formação do conceito é, a posteriori, tirada da experiência.
Quanto ao juízo, entretanto, em que unicamente temos ou não temos a verdade, e
que é o elemento constitutivo da ciência, a coisa parece mais complicada. Como
é que se formam os princípios da demonstração, os juízos imediatamente
evidentes, donde temos a ciência? Aristóteles reconhece que é impossível uma
indução completa, isto é, uma resenha de todos os casos os fenômenos
particulares para poder tirar com certeza absoluta leis universais abrangendo
todas as essências. Então só resta possível uma indução incompleta, mas
certíssima, no sentido de que os elementos do juízo os conceitos são tirados da
experiência, a posteriori, seu nexo, porém, é a priori, analítico, colhido imediatamente
pelo intelecto humano mediante a sua evidência, necessidade objetiva.
POLÍTICA
5.
A política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim
último do estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o
conjunto dos meios necessários para isso. O estado é um organismo moral,
condição e complemento da atividade moral individual, e fundamento primeiro da
suprema atividade contemplativa. A política, contudo, é distinta da moral,
porquanto esta tem como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade. A ética é
a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social. Desta
ciência trata Aristóteles precisamente na Política, de que acima se falou.
6.
O estado, então, é superior ao indivíduo, porquanto a coletividade é
superior ao indivíduo, o bem comum superior ao bem particular. Unicamente no
estado efetua-se a satisfação de todas as necessidades, pois o homem, sendo
naturalmente animal social, político, não pode realizar a sua perfeição sem a
sociedade do estado.
7.
Visto que o estado se compõe de uma comunidade de famílias, assim como
estas se compõem de muitos indivíduos, antes de tratar propriamente do estado
será mister falar da família, que precede cronologicamente o estado, como as
partes precedem o todo. Segundo Aristóteles, a família compõe-se de quatro
elementos: os filhos, a mulher, os bens, os escravos; além, naturalmente, do
chefe a que pertence a direção da família. Deve ele guiar os filhos e as
mulheres, em razão da imperfeição destes. Deve fazer frutificar seus bens, porquanto
a família, além de um fim educativo, tem também um fim econômico. E, como ao
estado, é-lhe essencial a propriedade, pois os homens têm necessidades
materiais. No entanto, para que a propriedade seja produtora, são necessários
instrumentos inanimados e animados; estes últimos seriam os escravos.
8.
Aristóteles não nega a natureza humana ao escravo; mas constata que na
sociedade são necessários também os trabalhos materiais, que exigem indivíduos
particulares, a que fica assim tirada fatalmente a possibilidade de
providenciar a cultura da alma, visto ser necessário, para tanto, tempo e
liberdade, bem como aptas qualidades espirituais, excluídas pelas próprias
características qualidades materiais de tais indivíduos. Daí a escravidão.
9.
Vejamos, agora, o estado em particular. O estado surge, pelo fato de
ser o homem um animal naturalmente social, político. O estado provê,
inicialmente, a satisfação daquelas necessidades materiais, negativas e
positivas, defesa e segurança, conservação e engrandecimento, de outro modo
irrealizáveis. Mas o seu fim essencial é espiritual, isto é, deve promover a
virtude e, consequentemente, a felicidade dos súditos mediante a ciência.
10.
Compreende-se, então, como seja tarefa essencial do estado a educação,
que deve desenvolver harmônica e hierarquicamente todas as faculdades: antes de
tudo as espirituais, intelectuais e, subordinadamente, as materiais, físicas. O
fim da educação é formar homens mediante as artes liberais, importantíssimas a
poesia e a música, e não máquinas, mediante um treinamento profissional. Eis
porque Aristóteles, como Platão, condena o estado que, ao invés de se preocupar
com uma pacífica educação científica e moral, visa a conquista e a guerra. E
critica, dessa forma, a educação militar de Esparta, que faz da guerra a tarefa
precípua do estado, e põe a conquista acima da virtude, enquanto a guerra, como
o trabalho, são apenas meios para a paz e o lazer sapiente.
11.
Não obstante a sua concepção ética do estado, Aristóteles, diversamente
de Platão, salva o direito privado, a propriedade particular e a família. O
comunismo como resolução total dos indivíduos e dos valores no estado é
fantástico e irrealizável. O estado não é uma unidade substancial, e sim uma
síntese de indivíduos substancialmente distintos. Se se quiser a unidade
absoluta, será mister reduzir o estado à família e a família ao indivíduo; só
este último possui aquela unidade substancial que falta aos dois precedentes.
Reconhece Aristóteles a divisão platônica das castas, e, precisamente, duas
classes reconhece: a dos homens livres, possuidores, isto é, a dos cidadãos e a
dos escravos, dos trabalhadores, sem direitos políticos.
12.
Quanto à forma exterior do estado, Aristóteles distingue três
principais: a monarquia, que é o governo de um só, cujo caráter e valor estão
na unidade, e cuja degeneração é a tirania; a aristocracia, que é o governo de
poucos, cujo caráter e valor estão na qualidade, e cuja degeneração é a
oligarquia; a democracia, que é o governo de muitos, cujo caráter e valor estão
na liberdade, e cuja degeneração é a demagogia. As preferências de Aristóteles
vão para uma forma de república democrático-intelectual, a forma de governo
clássica da Grécia, particularmente de Atenas. No entanto, com o seu profundo
realismo, reconhece Aristóteles que a melhor forma de governo não é abstrata, e
sim concreta: deve ser relativa, acomodada às situações históricas, às
circunstâncias de um determinado povo. De qualquer maneira a condição
indispensável para uma boa constituição, é que o fim da atividade estatal deve
ser o bem comum e não a vantagem de quem governa despoticamente.
FAMILIA E
EDUCAÇÃO
13.
O Estado deve promover a família e a educação, legislando sobre as
mesmas. "Convém fixar o casamento das mulheres nos dezoito anos, e o dos
homens nos trinta e sete, ou pouco menos. Assim a união será feita no momento
do máximo vigor e os dois esposos terão um tempo pouco mais ou menos igual para
educar a família, até que cessem a ser próprios à procriação" (Política,
4,c.14, § 6).
14.
Com vistas à depuração social defende ainda: "Quanto, a saber,
quais os filhos que se devem abandonar ou educar, deve haver uma lei que proíba
alimentar toda a criança disforme. Sobre o número dos filhos (porque o número
dos nascimentos deve sempre ser limitado), se os costumes não permitem que os
abandonem e se alguns casamentos são tão fecundos que ultrapassem o limite
fixado de nascimentos, é preciso provocar o aborto, antes que o feto receba
animação e a vida; com efeito, só pela animação e vida se poderá determinar se
existe crime" (Política, 4,c.14, § 10).
15.
Só modernamente se veio a saber melhor sobre a vida. Enquanto isto
demorou, até moralistas cristãos admitiram o aborto antes da referida animação
de que fala Aristóteles, como acontecida apenas em um estágio adiantado da
gestação.
16.
O grande Aristóteles, apesar de sua vida relativamente curta (62 anos)
e da perda de seus livros mais literários e brilhantes, continua sempre grande.
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