Tales de Mileto
Segundo a tradição, o começo da filosofia grega veio através
de Tales que viveu em Mileto, na Jônia, que viveu entre o século VII e VI a.C.
Foi cientista e político, não tem escritos, se conhece seu
pensamento através da tradição oral indireta.
Tales iniciou a filosofia e o primeiro a afirmar a PHYSIS[A1] ,
sustentando que tal princípio é a água.
Pode ser qualificada como “a primeira proposta filosófica
daquilo que se acostuma chamar de civilização Ocidental”. Compreendendo essa
proposição compreende a grande revolução operada por Tales, que levou a criação
da filosofia
Aristóteles nota em sua exposição sobre o pensamento de
Tales, o “princípio” é “aquilo do
qual derivam originalmente e no qual se resolvem por último todos os seres”,
uma realidade que “que continua a existir de maneira imutada, mesmo através do
processo gerador de todas as coisas”.
Portanto o “princípio”
é a fonte e a origem de todas as coisas, a foz ou termo último de todas as
coisas, o sustentáculo permanente de todas as coisas.
O “princípio” pode
ser definido como aquilo do qual provêm, aquilo no qual se concluem e aquilo
pelo qual existem e subsistem todas as coisas.
Tales deduziu sua convicção “da constatação de que a
nutrição de todas as coisas é úmida”, que as sementes e os germes de todas as
coisas “têm natureza úmida”, e de que, portanto, a secura total é a morte.
Assim como a vida está ligada à umidade e esta pressupõe a água, então a água é
fonte última da vida e de todas as coisas. Tudo vem da água, tudo sustenta sua
vida com água e tudo termina na água. Tales, portanto, fundamenta suas
asserções sobre o raciocínio puro, sobre o logos.
Mas não se deve acreditar que a água de Tales seja o
elemento físico-químico que hoje bebemos. A água de Tales deve ser pensada de modo
totalizante, como a physis líquida
originária da qual tudo deriva e da qual a água que bebemos é apenas uma de
suas tantas manifestações. Trata-se de uma concepção na qual predomina a razão.
Ao afirmar que “tudo está cheio de deuses”, tudo é permeado pelo
princípio originário. E como o princípio originário é a vida, tudo é vivo e
tudo tem alma[A2] .
Com Tales o logos
humano rumou com segurança pelo caminho da conquista da realidade em seu todo e
em algumas de suas partes.
Anaximandro de Mileto
Discípulo de Tales, Anaximandro nasceu por volta de fins do
séc. VII a.C. e morreu no início da segunda metade do sec. VI. Elaborou um
tratado Sobre a natureza. Trata-se do
primeiro tratado filosófico do Ocidente e do primeiro escrito grego em prosa.
Com Anaximandro, a problemática do princípio se aprofundou.
A água já é algo derivado e que, ao contrário, o “princípio[A3] ” é o infinito, uma natureza[A4]
in-finita e in-definida, da qual provêm todas as coisas que existem.
Anaximandro usou o termo á-peiron , que é aquilo que está
privado de limites, aquilo que é especialmente quantitativo indeterminado. Por
ser quantitativa i-limitado, o princípio-ápeiron pode dar origem a todas as
coisas, de-limitando-se de vários modos. Esse princípio abarca e circunda,
governa e sustenta tudo, justamente porque, como de-limitação e de-terminação
dele, todas as coisas geram-se a partir dele, nele con-sistem e nele existem.
Em Anaximandro, Deus torna-se o Princípio, ao passo que os
deuses tornam-se os mundos, os universos que são numerosos; todavia, enquanto o
Princípio divino não nasce nem perece, os universos divinos, ao contrário,
nascem e perecem ciclicamente.
Anaximandro responde que a causa da origem das coisas é uma
espécie de “injustiça”, enquanto a causa da corrupção e da morte é uma espécie
de “expiração” de tal injustiça. Anaximandro pensava no fato de que o mundo é
constituído por uma série de contrários,
que tendem a predominar um sobre o outro (calor
e frio, seco e úmido). A injustiça consistiria precisamente nessa predominância.
Assim como o princípio é infinito, também os mundos são
infinitos, este nosso mundo nada mais é do que um dos inumeráveis mundos em
tudo semelhantes aos que os precedem e aos que os seguiram, esse nosso mundo
coexiste ao mesmo tempo com uma série infinita de outros mundos.
Eis como se explica a gênese do cosmo. De um movimento, que
é eterno, geram-se os primeiros dois contrários fundamentais: o frio e o calor.
Originalmente de natureza líquida, o frio teria sido em partes transformado
pelo fogo-calor, que formava a esfera periférica, no ar. A esfera do fogo
ter-se-ia dividido em três, originando a esfera do sol, a esfera da lua, e a
esfera dos astros. O elemento líquido ter-se-ia recolhido nas cavidades da
terra, constituindo os mares.
Imaginada como tenda forma cilíndrica, a terra “pertence
suspensa sem ser sustentada por nada, mas continua firme por causa da igual
distância de todas as partes”, por uma espécie de equilíbrio de forças. Sob a
ação do sol, devem ter nascido do elemento líquido os primeiros animais, de
estrutura elementar, dos quais, pouco a pouco, ter-se-iam desenvolvendo os
animais mais complexos.
Anaxímenes de Mileto
Discípulo de Anaximandro, no séc. VI a.C., escreveu Sobre a natureza, em sóbria prosa
jônica.
Anaxímenes pensa que o “princípio” deva ser infinito, mas que deva ser pensado como
ar infinito, substância aérea ilimitada. O princípio que dá a vida, que é ar,
se sustenta e se governa, assim também o sopro e o ar abarcam o cosmo inteiro.
O motivo pelo qual Anaxímenes concebe o ar como “o divino” é agora claro.
É evidente que ele sentia necessidade de introduzir uma
realidade originária que ela permitisse deduzir todas as coisas, de modo mais lógico e mais racional do
que fizera Anaximandro. Por sua natureza de grande mobilidade, o ar se presta
muito bem para ser concebido como em perene movimento. O ar se presta melhor do
que qualquer outro elemento às variações e transformações necessárias para
fazer nascer as diversas coisas. Ao se condensar,
resfria-se e se torna água e, depois, terra; ao de distender e dilatar,
esquenta e torna-se fogo.
A variação de tensão da realidade originária dá, portanto,
origem a todas as coisas. Anaxímenes representa a expressão mais rigorosa e
mais lógica do pensamento da Escola de Mileto, ele introduz a cauda dinâmica da
qual Tales ainda não havia falado e que Anaximandro determinara apenas
inspirando-se em concepções órficas. Anaxímenes fornece, portanto, uma causa em
perfeita harmonia com o “princípio”.
Heráclito de Éfeso
Heráclito de Éfeso herda dos milésimos o conceito de
dinamismo universal, mas aprofunda de modo conspícuo. “Tudo escorre” é a
proposição emblemática de Heráclito, e indica o fato de que o devir é uma
característica estrutural de toda a realidade.
Não se trata de devir caótico, mas de passagem dinâmica
ordenada de um contrário ao outro: é uma guerra de opostos, que no conjunto se
compõe em harmonia de contrários. O mundo é, portanto, guerra nos particulares,
mas paz e harmonia no conjunto.
O fogo vive da morte do combustível, transformando o
continuamente em cinzas, mas se manifesta harmonicamente como de racionalidade
(=logos), razão de ser da harmonia do cosmo.
O “obscuro” Heráclito
Heráclito viveu entre os séculos VI e V a.C., em Éfeso.
Tinha caráter desencontrado e temperamento esquivo e desdenhoso. Escreveu um
livro intitulado Sobre a Natureza.
A doutrina do “tudo escorre”
“Tudo se move”, “tudo escorre[A5] ”,
nada permanece imóvel e fixo, tudo muda e se transmuta sem exceção. “Não se
pode descer duas vezes no mesmo rio, e não se pode tocar duas vezes numa
substância mortal no mesmo estado, pois, por causa da impetuosidade e da
velocidade da mudança, ela se dispersa e se reúne, vem e vai. Nós descemos e
não descemos pelo mesmo rio, nós próprio somos e não somos”.
O rio é “aparentemente” sempre o mesmo, mas, “na realidade”,
é constituído por águas sempre novas e diferentes, que sobrevêm e se dispersem.
Não se pode descer duas vezes na
mesma água do rio, precisamente
porque ao se descer pela segunda vez já se trata de outra água do rio,
precisamente porque ao se descer pela segunda vez já se trata de outra água que
sobreveio. Nós entramos e não entramos no mesmo rio. Nós somos e não somos,
porque, para ser aquilo que somos em determinado momento, devemos não-ser-mais
aquilo que éramos no momento anterior, do mesmo modo que, para continuarmos a
ser, devemos continuamente não-ser-mais aquilo que somos em cada momento. Vale
para a realidade.
A doutrina da “harmonia dos contrários”
O devir ao qual tudo está destinado caracteriza-se por
contínua passagem de um contrário ao outro: as coisas frias se aquecem, as
quentes se resfriam, as úmidas secam, as secas tornam-se úmidas, o jovem
envelhece, o vivo morre, mas daquilo que está morto, renasce outra vida jovem,
e assim por diante. Há, portanto, guerra perpétua entre os contrários que se
aproximam. “A guerra é mãe de todas as coisas e de todas as coisas é rainha”.
Trata-se, porém, de uma guerra que, ao mesmo tempo, é paz, e de um contraste
que é, ao mesmo tempo harmonia. “Aquilo que é oposição se concilia, das coisas
diferentes nasce a mais bela harmonia do arco e da lira”. Somente em contenda
entre si é que os contrários dão sentido específico um ao outro: “A doença
torna doce a saúde, a fome torna doce a
saciedade e o cansaço torna doce o repouso”; “não se conheceria sequer o nome
da justiça, se não existisse a ofensa”.
Essa “harmonia” e “unidade dos opostos” é o “princípio” e,
portanto, Deus ou o divino: “Deus é dia-noite, é inverno-verão, é guerra-paz, é
saciedade-fome”.
Identificação do “princípio” com o fogo e com a inteligência
Heráclito indicou o fogo como “princípio” fundamental, e
considerou todas as coisas como transformações do fogo. O fogo expressa de modo
exemplaras características de mudança contínua, do contraste e da harmonia. O
fogo está continuamente em movimento, é vida que vive da morte do combustível,
é contínua transformação deste em cinzas, fumaça e vapor, é perene “necessidade
e saciedade”.
Esse fogo é como “raio que governa todas as coisas”. E
aquilo que governa todas as coisas, é “inteligência”, é “razão”, é “logos”, é
“lei racional”. Um fragmento particularmente significativo sela a nova posição
de Heráclito: “O Uno, o único sábio, quer e não quer ser chamado Zeus”. Não
quer ser chamado Zeus se por Zeus se por esse nome se entende o Deus e o ser
supremo.
A verdade consiste em captar, para além dos sentidos, a
inteligência que governa todas as coisas. E Heráclito sente-se como o profeta
dessa inteligência – daí o caráter oracular de suas sentenças e o caráter
hierático de seu discurso.
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