Sócrates, "o primeiro nome
importante na filosofia ética antiga."
A essa arena de senso-comum e
vagueza, Sócrates trouxe um novo espírito crítico, e mostrou que esses
conferencistas populares, a despeito de sua fértil eloquência, não podiam
defender suas suposições fundamentais nem sequer oferecer definições racionais
do que alegavam explicar.
Não só eram assim
"ignorantes" como também perenemente inconsistentes ao lidar com
casos particulares. Desse modo, com o auxílio de sua famosa "dialética",
Sócrates primeiramente chegou ao resultado negativo de que os pretensos mestres
do povo eram tão ignorantes quanto ele mesmo afirmava ser, e, em certa medida,
justificou o encômio de Aristóteles de ter prestado o serviço de "introduzir
a indução e as definições" na filosofia.
No entanto, essa descrição de sua
obra é muito técnica e muito positiva, se a avaliamos com base nos primeiros
diálogos de Platão, em que o verdadeiro Sócrates encontra-se menos alterado.
Sócrates sustentava que a sabedoria preeminente que o oráculo de Delfos lhe
atribuiu consistia numa consciência única da ignorância.
No entanto, é igualmente claro, com
base em Platão, que houve um elemento positivo muito importante no ensinamento
de Sócrates, que justifica afirmar, junto com Alexander Bain, que "o
primeiro nome importante na filosofia ética antiga é Sócrates". A união
dos elementos positivo e negativo de sua obra tem causado não pouca
perplexidade entre os historiadores, e não podemos salvar a consistência do filósofo
a menos que reconheçamos algumas doutrinas a ele atribuídas por Xenofonte como
meras tentativas provisórias.
Ainda assim, as posições de Sócrates
mais importantes na história do pensamento ético são fáceis de harmonizar com
sua convicção de ignorância e tornam ainda mais fácil compreender sua
infatigável inquirição da opinião comum. Enquanto mostrava claramente a
dificuldade de adquirir conhecimento, Sócrates estava convencido de que somente o conhecimento poderia
ser a fonte de um sistema coerente da virtude, assim como o erro estava
na origem do mal. Assim, Sócrates, pela primeira vez na história do pensamento,
propõe uma lei científica positiva de conduta: a virtude é conhecimento.
Esse princípio envolvia o paradoxo de
que a pessoa que sabe o que é o bem não pratica o mal. Mas esse é um paradoxo
derivado de seus truísmos irretorquíveis: "Toda a pessoa deseja o seu próprio bem e obtê-lo-ia se
pudesse" e "Ninguém
negaria que a justiça e a virtude em geral são bens; e entre todos, os melhores".
Todas as virtudes,
portanto, estão sintetizadas no conhecimento do bem.
Mas esse bem, para Sócrates, não é um
dever que se opõe ao interesse próprio. A força do paradoxo depende de uma
fusão do dever e do interesse numa única noção de bem, uma fusão que era
prevalecente no modo de pensar da época. Isso é o que forma o núcleo do
pensamento positivo de Sócrates, segundo Xenofonte. Ele não podia oferecer
nenhuma abordagem satisfatória do Bem em abstrato, e esquivava-se de qualquer
questão sobre esse ponto dizendo que não conhecia "nenhum bem que não
fosse bom para alguma coisa em particular", mas esse bem particular é
consistente consigo mesmo.
Quanto a si, estimava acima de todas
as coisas a virtude da sabedoria; e, no intuito de alcançá-la, enfrentava a
penúria mais severa, sustentando que uma vida assim seria mais rica em
satisfação que uma vida de luxo. Essa visão multidimensional é ilustrada pela
curiosa mistura de sentimentos nobres e meramente utilitários em sua abordagem
sobre a amizade: um amigo
que não nos traga benefícios não vale nada; no entanto, o maior benefício que um amigo
pode nos trazer é o aperfeiçoamento moral.
As características historicamente
importantes de sua filosofia moral, se tomarmos conjuntamente (como devemos)
seus ensinamentos e o seu caráter pessoal, podem ser sintetizados da seguinte
maneira: uma busca apaixonada por um conhecimento que não está disponível em
lugar algum, mas que, se encontrado, aperfeiçoará a conduta humana;
simultaneamente, uma exigência de que os homens deveriam agir na medida do
possível conforme uma teoria coerente; uma adesão provisória à concepção
recebida sobre o que é bom, com toda a sua complexidade e incoerência, e uma
prontidão permanente em sustentar a harmonia de seus diversos elementos, e em
demonstrar a superioridade da virtude mediante um apelo ao padrão do interesse
próprio; firmeza pessoal em adotar essas convicções práticas.
É só quando temos em vista todos
esses pontos que podemos compreender como, das conversações socráticas,
brotaram as diferentes correntes do pensamento ético grego.
Quatro escolas diferentes têm sua
origem imediata no círculo que se reuniu em torno de Sócrates – a escola
megárica, a platônica, a cínica e a cirenaica. A influência do mestre
manifesta-se em todas apesar das grandes diferenças que as separam; todas
concordam em sustentar que a possessão mais importante do homem é a sabedoria
ou o conhecimento, e que o conhecimento mais importante a ser adquirido é o
conhecimento do Bem.
Aqui, no entanto, termina a
concordância. A parte mais
filosófica do círculo socrático constituiu um grupo do qual Euclides de Mégara
foi provavelmente o primeiro líder. Esse grupo admitia que o Bem era
objeto de uma investigação ainda inconclusa e foram levados a identificá-lo com
o segredo do universo e, desse modo, a passar da ética à metafísica. Outros,
cujas exigências por conhecimento eram mais facilmente satisfeitas e estavam
ainda sob a impressão causada pelo lado positivo e prático dos ensinamentos do
mestre, tornaram a busca um assunto bem mais simples.
Consideraram que o Bem já era
conhecido e sustentaram que a filosofia consistia na aplicação rígida desse
conhecimento às ações. Entre esses estavam Antístenes, o cínico, e Aristipo de
Cirene. Em virtude de ambos terem admitido o dever de viver consistentemente
conforme a teoria, em vez de conduzi-la por impulso ou pelo costume, em virtude
de sua noção de um novo valor conferido à vida por meio dessa racionalização, e
em virtude de seus esforços em manter uma firmeza inabalável, calma e
tranquila, de têmpera socrática, é que reconhecemos Antístenes e Aristipo como
"homens socráticos", apesar de terem dividido a doutrina positiva do
mestre em sistemas diametralmente opostos.
Acerca de seus princípios
conflitantes, podemos dizer que, enquanto Aristipo efetivou a transição lógica
mais óbvia para reduzir os ensinamentos de Sócrates a uma clara unidade
dogmática, Antístenes certamente extraiu a inferência mais natural que se
poderia tirar da vida socrática.
Aristipo argumentava que, se tudo o
que é belo ou admirável no comportamento deriva essas qualidades de sua
utilidade, isto é, de sua aptidão em produzir um bem maior; e, se a ação
virtuosa é essencialmente uma ação realizada com previsão – com a apreensão
racional de que a ação é o meio adequado para a aquisição daquele bem –; então
aquele bem só pode ser o prazer.
Aristipo sustentava que os prazeres e
dores corporais são os mais incisivos, mas não parece ter defendido essa ideia
em termos de uma teoria materialista, pois admitia a existência de prazeres
exclusivamente mentais, tais como alegrar-se com a prosperidade da terra natal.
Admitia plenamente que esse bem
poderia se realizar apenas em partes sucessivas, e deu ênfase até exagerada à
regra de buscar o prazer do momento e não se preocupar com o futuro. Para
Aristipo, a sabedoria manifestava-se na seleção tranquila, resoluta e
habilidosa dos prazeres que as circunstâncias ofereciam de momento a momento,
sem se deixar perturbar pela paixão, pelo preconceito ou pela superstição; e a
tradição representa-o como alguém que realizou esse ideal em grau
impressionante.
Entre os preconceitos dos quais o
homem sábio estaria livre, Aristipo inclui a obediência às convenções ditadas
pelo costume que não tivessem penalidades vinculadas à sua transgressão; no
entanto, sustentava, assim como Sócrates, que essas penalidades tornavam
razoável adotar uma postura de conformismo. Assim, logo nos primórdios da
teoria ética, já aparecia uma exposição completa e minuciosa do hedonismo.
Bem diferente era a compreensão de
Antístenes e dos cínicos a respeito do espírito socrático. Eles igualmente
sustentavam que nenhuma pesquisa especulativa seria necessária à descoberta do
bem e da virtude, e defenderam que a sabedoria socrática não se exibiu numa
busca habilidosa pelo prazer; mas, ao contrário, numa indiferença racional em
relação ao prazer – numa nítida compreensão de que não há valor algum no prazer
nem em outros objetos dos desejos mais comuns acalentados pelos homens.
Antístenes, com efeito, declarou
taxativamente que o prazer é um mal: "É melhor a loucura que ceder ao
prazer". Ele não desconsiderou a necessidade de complementar o insight
meramente intelectual com a "força de espírito socrática"; mas
parecia-lhe que, por uma combinação de insight e autocontrole, a pessoa poderia
conquistar uma independência espiritual absoluta que nada deixaria faltar a um
perfeito bem-estar (ver também Diógenes de Sínope).
Pois, quanto à pobreza, à labuta
extenuante, ao desapreço e aos outros males que apavoram os homens, esses
seriam úteis, argumentava ele, como meios de avançar na liberdade e virtude
espiritual. Entretanto, na concepção cínica de sabedoria, não há um critério
positivo além da mera rejeição dos preconceitos e dos desejos irracionais.
Vimos que Sócrates não alegava ter
descoberto uma teoria abstrata sobre a boa ou sábia conduta; ao mesmo tempo,
entendia essa falta, em sentido prático, como motivo para a execução confiante
dos deveres costumeiros, sustentando sempre que sua própria felicidade estava
condicionada a essa prática.
Os cínicos, de modo mais ousado,
descartaram tanto o prazer como o mero costume por considerarem ambos
irracionais; mas, ao fazerem isso, deixaram a razão liberada sem nenhum
objetivo definido além de sua própria liberdade. É absurdo, tal como Platão
apontou, dizer que o conhecimento é o bem e, depois, quando nos indagam
"conhecimento de quê?" não ter outra resposta positiva senão "do
bem"; mas os cínicos não parecem ter feito nenhum esforço sério de escapar
a esse contrassenso.
As concepções mais extremas dessas
duas escolas socráticas serão retomadas quando chegarmos às escolas
pós-aristotélicas; mas antes devemos esboçar o modo como a teoria socrática foi
elaborada por Platão e Aristóteles.
FONTE: Sala de Aula
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