FILOSOFIA DA LINGUAGEM
O mundo moderno vive sob o fogo cerrado da guerra cultural que tem como um dos principais
objetivos a destruição dos valores judaico-cristãos que são a base da sociedade ocidental.
Para conseguir esse intento todas as armas serão usadas, inclusive a linguagem
que, ao ser encarada erroneamente como uma mera convenção humana, é hoje
utilizada como meio de manipulação, com fins ideológicos.
Tal afirmação é de fácil comprovação: basta observar quantas palavras
e expressões deixaram de ser utilizadas cotidianamente, em nome do
"politicamente correto" ou da "igualdade";
é possível observar ainda palavras sendo esvaziadas de seu significado original
e tomando um outro sentido para atender a esses mesmos fins ideológicos.
Este curso tem como objetivo resgatar o valor
original da linguagem, não a reconhecendo apenas como um mero instrumento
revolucionário, mas sim como algo querido e utilizado por Deus para
comunicar-se com o homem. Mais
que isso: a Palavra ou o Logos é o próprio Deus e permanece eternamente. Assim, vemo-nos colocados diante do mistério
de Deus que Se comunica a Si mesmo por meio do dom da sua Palavra. Esta
Palavra, que permanece eternamente, entrou no tempo. Deus pronunciou a sua
Palavra eterna de modo humano; o seu Verbo fez-se carne. Esta é a boa nova.
Este é o anúncio que atravessa os séculos, tendo chegado até os nossos dias.
(Exortação Apostólica Verbum Domini)
Portanto, a linguagem, a
Palavra, o Verbo de Deus é o próprio Jesus Cristo. Conhecer e aceitar essa
possibilidade real de diálogo com Ele e, por conseguinte, com a Trindade é
confirmar o que ensina o Catecismo da Igreja Católica quando diz que Deus criou
o homem para fazê-lo participar
de sua vida bem-aventurada.
Nesse sentido, quando o mundo
conhecer a realidade da linguagem divina a guerra cultural estará terminada,
pois, a Palavra de Deus
impele-nos a mudar o nosso conceito de realismo: realista é quem reconhece o
fundamento de tudo no Verbo de Deus. Isto revela-se particularmente necessário
no nosso tempo, em que manifestam o seu caráter efêmero muitas coisas com as
quais se contava para construir a vida e sobre as quais se era tentado a
colocar a própria esperança. Mais cedo ou mais tarde, o ter, o prazer e o poder
manifestam-se incapazes de realizar as aspirações mais profundas do coração do
homem. De fato, para edificar a própria vida, ele tem necessidade de alicerces
sólidos que permaneçam mesmo quando falham as certezas humanas (VD,10)
O curso focará, então, na
linguagem sob a ótica cristã, em contraposição à linha de pensamento dominante
na cultura moderna que propõe uma linguagem capaz de criar a realidade apesar
de Deus ou até mesmo contra Ele. Pretende-se analisar a realidade da linguagem
enquanto elo entre o projeto divino e a vida humana e não como mera ferramenta
livremente manipulável segundo regras exclusivamente humanas.
1. Introdução à Filosofia da Linguagem
Não é possível filosofar abstraindo da pessoa que
faz a filosofia. O filósofo deve ser virtuoso, deve estar comprometido com a
Verdade, ainda que esta não lhe seja agradável.
A Filosofia da Linguagem é
um ramo da antropologia filosófica. Trata-se da análise da “linguagem”,
enquanto instrumento para transcrever a realidade.
Antes de começar a pensar
esta matéria, propriamente, é preciso traçar alguns pressupostos. Não é
possível filosofar abstraindo da pessoa que faz a filosofia. Em outras
palavras, qualquer filosofia só pode acontecer a partir da vida de quem
filosofa. O ser humano traz em si uma tendência a enganar-se a si mesmo. Na
teologia cristã, isto é um dado da Revelação: chama-se concupiscência. A
filosofia, embora não conheça o pecado original, vê as suas consequências,
porque fazem parte da estrutura da realidade: qualquer bom observador sabe que
existe no homem uma inclinação à desonestidade, ao erro. E como não é possível
separar o ser humano em compartimentos estanques, uma pessoa que vive
imoralmente acabará por não ser honesta em sua busca pela Verdade. Por isso, na
tradição filosófica ocidental, há a convicção de que, sem uma vida reta, não é
possível fazer filosofia.
Um filósofo precisa ser
virtuoso, porque deve, em sua investigação, refletir a realidade das coisas.
Fugir desta realidade é muito fácil. Por exemplo, uma criança, brincando de
bola, acaba por acertá-la na vidraça de sua casa. Diante desta situação, todas
as crianças saem correndo: o culpado sai correndo porque não quer ser
incriminado, os outros saem correndo porque não querem incriminar o colega.
Mas, imagine-se o culpado diante de seu pai, que lhe pergunta: “Quem fez isso?”
Neste fato pitoresco da infância, o homem é confrontado: ou mente e escapa ou
diz a verdade e enfrenta as consequências do que fez. O pai, descobrindo o que
aconteceu, deve educar moralmente o seu filho, fazendo que ele coloque os pés
na realidade – que, neste caso e em muitos outros, nem sempre é agradável.
O que é a realidade? É
aquilo que é, independentemente do nosso pensamento. No mundo infantil, das
fantasias, as coisas são “para mim”; mas, no mundo real, as coisas são de fato,
ainda que não queiramos, ainda que nos soe difícil, ainda que pareça duro.
Nos últimos tempos, a
Filosofia da Linguagem tem se tornado o cavalo de batalha do movimento
revolucionário. Ele utiliza-a para defender o relativismo, segundo o qual não
existe verdade. Trata-se, antes de qualquer coisa, de um sistema ilógico, pois,
para derrubá-lo, basta recorrer a uma questão de lógica elementar. Pergunta-se
se a sentença “não há verdade” é verdadeira: se sim, há verdade; se não, há
verdade também. Portanto, a verdade existe e ninguém pode fazer nada contra
isso. Ao mesmo tempo, este é um sistema imoral, porque é um recurso ideológico
do qual as pessoas se aproveitam quando lhes convém. Quando um relativista se
depara com uma grave alteração dos números de sua conta bancária, toda a sua
construção imoral cai por terra, a verdade deixa de ser relativa e ele vai,
imediatamente, reclamar com o gerente de seu banco.
Vê-se
logo que dizer que um filósofo precisa ser virtuoso não é um mero argumentum ad hominem.
Não se está dirigindo um argumento contra aquele que filosofa, mas contra a
perversidade de seu método distorcido de lidar com a realidade. A verdade
liberta, mas nem sempre é agradável e é preciso ter coluna vertebral para
aceitar isso.
Se quem faz filosofia já
está no caminho da virtude e comprometido com ela, então fecha-se o espaço para
as desonestidades intelectuais, porque a pessoa fez o pacto de, ao fim de suas
investigações, aceitar a verdade, ainda que esta lhe fira. Não se pode varrer
para debaixo do tapete a realidade que não nos agrada.
Infelizmente, existe na
filosofia moderna a convicção de que não existe verdade ou que é impossível
alcançá-la. Guiam esta corrente os chamados “mestres da dúvida”: para Marx, a
verdade é uma ideologia; para Nietzsche, uma ilusão; e, para Freud, uma
racionalização. Assim, a verdade relativiza-se: não passa de uma construção
forjada pelo homem. E para fins desonestos. Estudando o fenômeno linguístico a
partir de filósofos contemporâneos, como Ludwig Wittgenstein, Jürgen Habermas,
Karl-Otto Apel, percebe-se que eles dizem as coisas de forma complexa, com uma
linguagem hermética, mas, no fundo, há uma indigência intelectual vergonhosa.
Todo aquele mundo complexo está construído em cima de uma decisão imoral.
Então,
antes de iniciar este curso, é preciso tomar uma decisão, estabelecer um pacto:
ou somos virtuosos o suficiente para mudar e adequarmo-nos à realidade, ou
ficaremos apenas na “moda filosófica”, que é o sofismo. Sócrates preferiu beber
a cicuta a trair sua consciência. Atrás do projeto filosófico original, existe
a virtude. A verdadeira filosofia não é coisa para adolescentes movidos pelos
desejos de um grupo. O filósofo não pode ser um “cara de grupo”: ele deve
buscar a Verdade, mesmo que, à custa de uma ascese interior, isso o afaste de
seu grupo.
2. A linguagem
indicativa
Em uma primeira
abordagem fenomenológica, percebem-se uma linguagem presente em todo o mundo
animal, chamada indicativa, e outra, presente apenas no mundo humano.
Na introdução a este
curso, falávamos que, no começo de todo caminho filosófico, há uma decisão
moral a ser tomada: a pessoa precisa ser sincera consigo mesma, prometendo
buscar a Verdade, mesmo que esta lhe doa.
Neste contexto, é
importante mencionar o que o filósofo Olavo de Carvalho chama de “paralaxe cognitiva”:
“o deslocamento entre o eixo visual do indivíduo real e o da perspectiva que
enquanto criador de teorias ele projeta naquilo que escreve”[1]. “Toda
afirmação filosófica sobre a realidade em geral, a humanidade em geral ou o
conhecimento em geral inclui necessariamente, entre os objetos a que se aplica,
a pessoa real do emissor e a situação de discurso na qual a afirmação é
feita”[2], explica Olavo. O fenômeno da paralaxe cognitiva – de que a filosofia
moderna está cheia de exemplos – consiste justamente em uma separação do “eu
biográfico” e do “eu filosófico”: o filósofo começa a separar as suas teorias
de sua experiência concreta.
Isto acontece muito
no campo da Filosofia da Linguagem. Essa filosofia está “na moda” porque os
filósofos modernos só se preocupam em provar que qualquer conhecimento é uma
construção. Para isso, eles precisam fugir da realidade e acabam por
refugiar-se em um “eu fictício” e é este, ao invés do “eu real”, quem faz a
filosofia.
Para este curso, vamos seguir alguns
passos. O primeiro deles é a “primeira abordagem fenomenológica”, de Edmund
Husserl. Husserl, alemão de descendência judia, foi um pensador do século XX,
que teve como secretária Edith Stein (que, depois, se tornaria carmelita
descalça, chamando-se Santa Teresa Benedita da Cruz). Ele influenciou muito a
filosofia do século passado, ao proclamar, em um século no qual predominava a
exegese dos textos de Immanuel Kant e Georg Hegel, a necessidade de sair da
“coisa-em-si” para o objeto tal como se apresenta à consciência. A “primeira
abordagem fenomenológica” significa, portanto, deixar que o objeto de estudo se
mostre em sua aparência. A palavra “fenômeno”, do grego φαινόμενον, significa: aquilo que aparenta ser.
Existem linguagens
mais empíricas e existem linguagens que se referem a outra realidade: ao “mundo
do espírito”, na terminologia tradicional.
Em uma primeira abordagem, são
distinguíveis duas outras espécies de linguagem: a primeira é a linguagem indicativa, na qual se produz palavras para
indicar uma realidade. Os animais são capazes de fazer isso: quando um macaco
vê um agressor se aproximando, ele acena, avisando a turma; quando a abelha
encontra um canteiro de flores, ela chega à colmeia e, através da agitação de
suas asas, ela indica às outras abelhas qual a quantidade de flores e qual a
distância e direção dessas flores, para que elas possam ir lá colher o néctar.
Aparentemente, fazemos a mesma coisa, só que em grau maior: somos capazes, por
exemplo, de resolver problemas de aritmética. Aqui, não se trata, pois, de uma
diferença substancial, mas de grau.
Certos
comportamentos, no entanto, parecem não ter correspondência no mundo animal.
Quando, por exemplo, diante do bispo, um sacerdote promete obediência a ele e a
seus sucessores; ou quando se assina uma promissória, prometendo-se pagar
determinada quantia ao fim de um prazo determinado: estes atos, que são um
acordo, uma promessa ou um pacto, só estão presentes no mundo humano. O
fenômeno linguístico de contrato e juramento é um fenômeno que empenha a outra
pessoa e afeta os envolvidos em um sentido único em todo o reino animal.
Em uma primeira
abordagem fenomenológica, percebe-se que existe uma linguagem presente no mundo
animal, como um todo, e outra presente apenas no mundo humano.
Referências
FONTE: Padre Paulo Ricardo, texto presente no site do mesmo.
Comentários
Postar um comentário